Cotidiano Gordo - Uma Cronica sobre o dia a dia

postagem original 22 de março de 2017

Quando acordo pela manhã e o vento bate no meu rosto me sinto como qualquer pessoa normal, e logo penso o que será normal?
Mas é quando saio de casa para trabalhar que perco esse conforto de me sentir bem com quem eu sou, tem gente esperando eu me odiar em cada esquina, tem gente me odiando em cada esquina.
Dentro do ônibus ou no metro, começam a me criticar, na fila do café começam a me criticar, olham para meu corpo e começam a falar, querem tirar o riso do meu rosto isso fica claro quando me olham com inquisição, ou quando me cutucam, acho que é para ver se meu corpo tem a mesma textura que o deles, violam meu corpo, invadem meu espaço pessoal com toques não permitidos e quando eu não grito de ódio, corro de constrangimento.
É hora do trabalho, enfim saio da fila dos colegas mal educados que desumanizam minha existência.
Leio meus emails, faço meu trabalho, na cadeira ao lado a colega me critica, pergunta se eu não quero perder peso, ficar mais bonita, disse que tinha acabado de receber uma dieta nova no grupo de emagrecimento que ela faz parte, me disse que eu iria arrumar um cara gato para me namorar assim que meu corpo ficar bonito, porque eu já tenho um rosto legal.
Então eu sorrio sem jeito e sem nenhuma resposta me viro de volta para minha mesa, termino meus a fazeres e  saio mais cedo, sempre que posso fugir daquela nuvem de hostilidades eu fujo.
Hoje vai dar tempo de passar naquela pracinha me sentar de frente pro lago e poder relaxar, mas parece que me enganei, passam três crianças me apontam e comentam, olha como essa tia é gorda, vamos correr antes que ela como a gente no lanche, diz a garota  risonha sem a menor noção do peso em suas palavras, paro para  me questionar, mas de onde ela tirou isso de gorda comer crianças?
Algum parente deve ter lhe dito, que caso ela não se comporte a bruxa gorda vai comer ela no lanche, nesse caso eu devo ser a tal bruxa, já que sou gorda...
Não é sempre que uma criança diz coisas que podem me ofender, mas sei lá são só crianças, normalmente eu não me aborreço com elas, até acho engraçado, só tenho medo de pensar no tipo de adulto que elas podem se tornar, crescer acreditando em pessoas gordas como bruxas comedoras de gente, mas não posso educar os filhos dos outros então apenas sigo imagino que pais doentes, criam filhos doentes.
Sair cedo do trabalho hoje não me ajudou a ficar mais animada, ouvi dizer que aquela loja de departamento lançou uma nova linha plus size, devo encontrar alguma coisa legal lá, me animei de novo, vou as compras.
No caminho algumas pessoas me olham torto nada de novo as vezes até dou risada de como eu as deixo desconfortáveis com a minha presença, nessas horas fico pensando que quando falo sobre isso com amigos e familiares, eles me dizem que eu sou paranoica, que se eu vejo essas coisas é porque fico procurando encrenca, dizem que se eu não me importar, nem vou notar nada que acontece ao meu redor, o que é obviamente ambíguo porque se é só paranoia minha, como é que eu devo não ligar para as pessoas que me olham torto se elas não existem... mais questionamentos sem respostas, mas deixa para lá quero pensar nas roupas em promoção.
Na porta da loja um cartaz que diz: roupas para mulheres reais.
obviamente me questiono,  não seriam todas as mulheres reais? Mas enfim, deve haver algo que faz as pessoas gordas se sentirem especiais quando são chamadas de mulheres reais, deve ser uma logica de que aquela loja acredita que gordos são seres humanos já que a maioria acha que não somos, não sei é estranho pensar sobre isso e não achar desrespeitoso com as demais mulheres, mas eu precisava era da roupa e não avaliar o cartaz.
Entro na loja, no atendimento só mulheres magras e o mais próximas do padrão possível, é estranho ver as pessoas que te julgam feias fingindo que te cham bonitas para te vender produtos, isso quando fingem, tem algumas delas que fazem questão de demostrar que você é um ser estranho entrando num lugar que ela odeia e só está trabalhando ali porque precisa de dinheiro, mas fazer o que?  Preciso pensar menos e só olhar as roupas, me perco do foco com muita facilidade...
Olho as araras muita roupa interessante, muita roupa sem bom caimento, muita estampa estranha, e ainda que algo ali me chame atenção de consumidora, percebo que não cabe em mim, segurei o vestido e olhei bem pra ele, a linha era plus size o vestido era manequim 44, imagino que deve haver algum outro no estoque que vista uma gorda já que a loja vende para gordas, chamo a vendedora com a cara menos amarrada,  e ela sorri desajeitada pra mim, mas é educada, pergunto se lá teria aquele modelo no tamanho 58, ela me olha desconfortável e responde; Não senhora nossos manequins só vai até o 50.
Sorri pra ela, estiquei minha bolsa, devolvi o vestido para e agradeci, fui embora com as bochechas queimando de ódio.
No caminho de volta pra casa, nada de novo volto ao lupin, transporte publico lotado, as pessoas me culpando por estarem todas apertadas uma por cima das outras, já estou irritada e respondo alto aos resmungos, será que vocês não pensam, aqui cabem quarenta pessoas, tem quase setenta, e a culpa dessa droga está apertada é minha por ser gorda, porque ninguém fala mal do prefeito ou do governador ou das empresas de ônibus por ter uma frota reduzida, vão a merda.
Nossa tirei metade da raiva que estava dentro de mi pelo dia de hoje, não eu não fiz isso de verdade esse grito foi só dentro da minha cabeça, imagina esse povo todo vai me xingar e me por pra descer do coletivo se eu falar algo assim, mas ao menos na minha cabeça eu posso dizer o que eu quiser.
Chego em casa e me sinto um pouco melhor, agora é preparar a cabeça porque amanhã tem tudo novamente, tenho consciência que sou uma das poucas gordas com emprego, então tento manter a calma, se eu perder esse emprego não encontro outro que me contrate e sei que só estou aqui porque fui indicada sobre o aviso só vai fazer trabalho interno, então tenho que preparar a cabeça para passar por mais um dia de tortura afinal preciso pagar as contas.
Digo para mim mesma aguente firme é só mais um dia, você pode desabafar tudo isso na terapia.
Milly Costa


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